Nasceu em 1053, em Château-Neuf, Delfinado, diocese de Valença. Seu pai, chamado Odilon, bravo oficial, retirou-se na velhice para a grande Cartuxa, onde viveu ainda dezoito anos e morreu centenário
Nasceu em 1053, em Château-Neuf, Delfinado, diocese de Valença. Seu pai, chamado Odilon, bravo oficial, retirou-se na velhice para a grande Cartuxa, onde viveu ainda dezoito anos e morreu centenário, após ter recebido os últimos sacramentos das mãos de seu filho, nessa época, bispo.
A mãe desejava igualmente retirar-se para um mosteiro de religiosas. Mas como houvesse muitos poucos na província, praticou a regra monástica em sua própria casa, segundo os conselhos do santo filho, que a assistiu também na hora derradeira.
Ele amava os estudos e freqüentou escolas longínquas. Extrema modéstia, o preservava de todo o perigo. Era cônego de Valence, quando Hugo, bispo de Die e legado do Papa São Gregório VII para todas as Gálias, reconhecendo-lhe os méritos, o levou consigo, e dele se serviu utilmente na reforma do clero.
Em 1080, como o legado estivesse reunido em um grande concílio de Avinhão, os deputados da igreja de Grenoble vieram pedir-lhe um bispo. Sabendo que, Hugo de Valença era da confiança do legado, elegeram-no inânimente bispo. Mas Hugo recusou, considerando-se indigno e incapaz de tão grande cargo. O legado dissipou-lhe os temores, dizendo-lhe que em ocasiões semelhantes ninguém devia desconfiar da própria virtude, mas devia confiar em Deus. Vencido por tais encorajamentos e pelos do concílio, aceitou, por fim, a eleição. Todavia, não quis receber a sagração das mãos do arcebispo de Viena, acusado de simonia e acompanhou o legado a Roma, para ser sagrado pelas mãos do Papa.
Durante o tempo em que esperava pelo dia da sagração episcopal, o espírito das trevas o tentou a proferir blasfêmias contra Deus, tentação que lhe durou a vida toda, com mais ou menos violência.
Abriu o coração ao legado, que o aconselhou a se dirigir ao Papa pessoalmente. São Gregório VII, que possuía grande experiência nesses assuntos, lembrou-lhe que o Senhor repreende e castiga aqueles a quem ama e flagela os filhos a quem dedica afeição. Quanto mais, pois lhe flagelava o coração, mais se tornava evidente seu amor paternal. Além do mais, o diabo já pressentia algumas perdas que iria experimentar e que vantagens tiraria disso o povo de Deus. Era por isso que empregava todos os esforços de sua velha malícia para demovê-lo do propósito de aceitar o santo ministério, coisa que Deus permitia, para confusão e pena do tentador e para glória do servidor fiel.
Essas exortações do santo Papa o encorajavam de tal forma, que a mesma tentação que quase o havia levado ao desespero, torna-se para ele motivo de confiança.
Alguns dias após, recebeu a sagração episcopal do santo Pontífice que lhe testemunhou durante todo o tempo, uma afeição tão particular, que ninguém duvidava de que já conhecesse quais as graças especiais que Deus comunicaria ao novo bispo. A condessa Matilde, tida na igreja católica como a profetisa Débora, entre o povo de Israel, forneceu tudo quanto era necessário para a sagração, e acrescentou ainda algumas obras de Santo Ambrósio e de Santo Agostinho. Ela o honrou durante toda a sua vida como um verdadeiro servidor de Deus, cujos conselhos e orações reclamava.
Chegando a Grenoble, São Hugo encontrou um povo indócil e ignorante, um clero simoníaco, sacerdotes escandalosos, leigos usurários e usurpadores dos bens da igreja. Era um vasto campo para seu zelo. Trabalhou com coragem no sentido de acabar com tais escândalos. Mas, o fruto não correspondia aos seus esforços. Deixou, então, o bispado, após dois anos e retirou-se para o mosteiro de La Chaise-Dieu, onde tomou o hábito de monge. Lá ficou apenas um ano, pois o Papa Gregório VII, sabendo de sua retirada lhe ordenou voltasse à sua igreja e não preferisse o repouso à salvação das almas das quais estava incumbido. Hugo obedeceu. Mas conservou o resto da vida, no episcopado, o amor e a prática da vida religiosa.
Não fazia ainda três anos que havia voltado, quando teve um sonho misterioso. Parecia-lhe que Deus construía uma habitação em um deserto de sua diocese e que sete estrelas lhe indicavam o caminho. Pelo mesmo tempo, viu chegarem à sua presença sete homens que procuravam um lugar apropriado para a vida solitária. Eram São Bruno e seus companheiros. São Hugo reconheceu neles as sete estrelas e os conduziu à solidão da Cartuxa, a mesma que havia visto em sonho. Foi em 1084. Construíram lá o mosteiro, que existe ainda no primeiro fervor.
O santo bispo de Grenoble não tinha consolo maior que ir frequentemente à Cartuxa, edificar-se com a vida santa que levavam aqueles piedosos solitários. Mas estes se edificavam ainda mais com a humildade dele em confessar tristeza por não poder praticar as mesmas austeridades. Esse santo bispo vivia com eles, como se fosse o último deles. Seu fervor fazia-o esquecer sua dignidade e se entregando aos serviços mais humildes, em favor daquele que habitava a mesma cela. É necessário explicar que nessa época, no começo, os cartuxos costumavam habitar dois a mesma cela. Seu companheiro se queixou a São Bruno, visto que Hugo queria servir-lhe de criado. Mas o santo bispo não dava ouvidos senão à humildade e sentia-se honrado com poder servir os servidores de Deus.
São Bruno tomava às vezes a liberdade de o enviar à igreja. "Vai às tuas ovelhas, dizia-lhe que elas tem necessidade de ti. Dá-lhes o que deves dar-lhes." O santo bispo obedecia a Bruno como a um superior e após ter passado algum tempo com seu povo, retomava à solidão. Queria vender todos os cavalos e fazer, em seguida, a visita a toda a diocese a pé. Mas São Bruno nada lhe disse, com receio de que, com isso, parecesse estar condenando os demais bispos, e que ele mesmo estivesse procurando vanglória. Hugo não fez o que pretendia, mas sua humildade fê-lo rejeitar tudo quanto acreditava não ser pertinente à sua dignidade. A modéstia exterior respondia às virtudes que escondia no coração, das quais era fiel guardiã.
Esse santo bispo guardava os olhos com tanta discrição, que após cinqüenta anos de episcopado, não conhecia senão uma mulher, de rosto. Embora tivesse falado a uma infinidade de outras mulheres, jamais detivera a olhar alguma delas. Para não dar a mínima oportunidade à malícia da maledicência, não confessava as mulheres a não ser de dia e em lugar em que pudesse ser visto, porque a caridade pelos pecadores lhe atraía grande número de penitentes. Ele os escutava com grande paciência, e as lágrimas que derramava, ouvindo-os inspiravam salutar arrependimento.
Apesar dos males quase contínuos do estômago, e da cabeça que o afligiram durante quarenta anos, não cessou de pregar a palavra de Deus ao povo. Mas não procurava, em absoluto, dizer o que podia causar-lhe aplausos dos ouvintes. Propunha-se apenas instruí-los e comovê-los, o que conseguia com êxito, pois, após o sermão, grande número de pecadores o procuravam para confessar-se. Alguns chegavam a confessar publicamente os pecados, Depois de São Bruno, São Hugo foi como que o pai dos cartuxos. Estabeleceu uma ordem, proibindo às mulheres passarem pelos terrenos desses religiosos, a fim de que elas não lhe perturbassem a solidão. Isso foi em Julho de 1084.
Quanto mais o bispo de Grenoble se mostrava santo, mais defendia a Igreja romana. Em 1106, o imperador Henrique V procurou, com violências, arrancar ao Papa Pascoal II um privilégio injusto. Os bispos da província de Vienne, movidos pelo santo colega de Grenoble, excomungaram-no publicamente, em um concílio. Essa atitude era tanto mais corajosa, dado que Vienne, por causa do reino de Borgonha, pertencia a Henrique e seus embaixadores se encontravam no concílio com cartas favoráveis do Papa.
Em 1124, ocupou o trono da Santa Sé Honório II. São Hugo lhe enviou emissários para lhe rogaram permissão de abandonar o bispado de Grenoble. Esse desejo, que tinha desde o começo do episcopado, durou-lhe toda a vida. Mas, aumentou-lhe com o decorrer dos anos e da enfermidade. O santo ancião considerava-se um servidor inútil, que ocupava o lugar do bispo, recebendo as honras e rendas a ele inerentes, mas sem ter o mérito, nem desempenhar-lhes as funções.
O Papa Honório nem considerou seu pedido e mandou de volta os emissários com cartas de consolação, nas quais o encorajava a perseverar. São Hugo não desanimou. Foi a Roma e rogou insistentemente ao Papa qie lhe permitisse terminar sua vida em paz e que desse um pastor melhor à igreja de Grenoble. Mas o Papa continuou convencido de que pela autoridade, pelo bom exemplo, seria mais útil ao rebanho do que um outro. Concedeu-lhe, então, tudo quanto pediu, consolou-o da melhor maneira possível e o enviou de volta.
São Hugo justificou bem o julgamento do Papa. Vimos com que coragem o bispo de Grenoble excomungava seu próprio soberano, o imperador Henrique V, quando este aprisionou o Papa Pascoal II, para arrancar-lhe as investiduras. Os anos não enfraqueceram o vigor episcopal. Após a eleição do Papa Inocêncio II e antes que seus núncios chegassem à França para condenarem o cisma do Antipapa, o santo bispo de Grenoble se dirigiu a Puy em Velai, com outros bispos, não obstante as doenças de sua idade avançada - tinha setenta e oito anos - Sabia com certeza que Pedro de Léon não fora eleito Papa por seu mérito, mas pelo prestígio da família e pela violência. Foi por isso que não considerou as bons serviços que Pedro e seu pai lhe haviam prestado em outros tempos. Mas, não tendo em vista senão a justiça e o bem da igreja, excomungou-o nesse concílio, com os demais bispos, como cismático. E essa excomunhão foi de grande peso, dada a autoridade de São Hugo.
Francisco Zurbarán, São Hugo , no refeitório dos
cartuxos, 1655. Museu das Belas Artes de Sevilha
A excomunhão do Antipapa Anacleto foi a última atitude memorável do santo bispo de Grenoble. As doenças aumentaram de dia para dia e o obrigaram a permanecer na cama durante muito tempo, antes de morrer. Perdeu por completo a memória de todas as coisas temporais que havia feito ou visto no mundo. Mas, por um prodígio bem grande, não esqueceu nada do que se relacionava com o serviço de Deus e recitava todos os dias de cor os salmos com os clérigos.
Os monges de Calais, mosteiro que havia fundado, foram até ele, para servi-lo durante a enfermidade. E julgaram-se muito bem pagos dos serviços prestados, com o exemplo edificante recebido. Quanto Hugo percebia que a doença lhe havia arrancado algumas palavras de impaciência, se acusava chorando e ordenava aos que o serviam lhe impusessem disciplina. Mas, como pensavam não deverem obedecer-lhe, desfazia-se em lágrimas e recitava repetidas vezes o confiteor, para pedir perdão a Deus. Hugo fez com que os cartuxos escrevessem ao Papa Inocêncio II a respeito do triste estado em que se encontrava. Obteve, então, licença para nomear seu substituto no bispado de Grenoble, um santo religioso da Cartuxa, chamado também Hugo. Após o que, não desejou mais nada na terra e não tardou em ir unir-se ao Criador. Morreu no dia 1 de Abril de 1132, com mais e oitenta anos.
O Papa Inocêncio II, sabendo da vida edificante e da santa morte de Hugo, colocou-o entre os santos e deu ordens a Guigues, prior da Cartuxa, de escrever-lhe a vida. Foi o que ordenou pela seguinte carta, que podemos considerar como o decreto de sua canonização:
"Inocêncio, bispo servidor dos servidores de Deus, saúda seu queridíssimo filho Guigues, prior da Cartuxa, e lhe dá a benção apostólica.
Para corresponder aos benefícios de Deus, rendemos graças, de início, à sua majestade, ao sabermos da santa vida do bem-aventurado Hugo e dos milagres que se operam por sua intercessão. Em seguida, após ter consultado os arcebispos, bispos e cardeais e outras pessoas que estão conosco, ordenamos que fosse honrado como santo e que seja comemorado o dia de sua morte. Mas, como tendes exato conhecimento de sua vida e dos milagres, ordenamo-vos, pela autoridade de São Pedro e pela nossa, que escrevais o que sabeis, para que o clero os leia ao povo e este se edifique e mereça obter a remissão de pecados pela intercessão do santo bispo. Rezamos por vós e damos nossa benção aos queridos filhos cartuxos.
Com efeito Guigues escreveu a vida de São Hugo e a dedicou ao Papa Inocêncio II. Ninguém era mais instruído do que esse piedoso escritor, porque vivera longo tempo com São Hugo e era seu amigo particular.