675-749
João Damasceno é considerado o último dos santos Padres orientais da Igreja, antes que o Oriente se separasse definitivamente de Roma, no ano 1054. Uma das grandes figuras do cristianismo, não só da época em que viveu, mas de todos os tempos, especialmente pela obra teológica que nos legou.
Seu nome de batismo era João Mansur. Nasceu no seio de uma família árabe cristã no ano 675, em Damasco, na Síria. Veio daí seu apelido "Damasceno" ou "de Damasco". Nessa época a cidade já estava dominada pelos árabes muçulmanos, que acabavam de conquistar, também, a Palestina. No início da ocupação, ainda se permitia alguma liberdade de culto e organização dos cristãos, dessa forma o convívio entre as duas religiões era até possível. A família dos Mansur ocupava altos postos no governo da cidade, sob a administração do califa muçulmano, espécie de prefeito árabe.
Dessa maneira, na juventude, João, culto e brilhante, se tornou amigo do califa, que depois o nomeou seu conselheiro, com o título de grão-visir de Damasco. Mas como era, ao mesmo tempo, um cristão reto e intransigente com a verdadeira doutrina, logo preferiu se retirar na Palestina. Foi ordenado sacerdote e ingressou na comunidade religiosa de São Sabas, e desde então viveu na penitência, na solidão, no estudo das Sagradas Escrituras, dedicado à atividade literária e à pregação.
Saía do convento apenas para pregar na igreja do Santo Sepulcro, para defender o rigor da doutrina. Suas homilias, depois, eram escritas e distribuídas para as mais diversas dioceses, o que o fez respeitado no meio do clero e do povo. Também a convite de João V, bispo de Jerusalém, participou, ao seu lado, no Concílio ecumênico de Nicéia, defendendo a posição da Igreja contra os hereges iconoclastas.
O valor que passou para a Igreja foi através da santidade de vida, da humildade e da caridade, que fazia com que o povo já o venerasse como santo ainda em vida. Além disso, por sua obra escrita, sintetizando os cinco primeiros séculos de tentativas e esforços de sedimentação do cristianismo.
Suas obras mais importantes são "A fonte da ciência", "A fé ortodoxa", "Sacra paralela" e "Orações sobre as imagens sagradas", onde defende o culto das imagens nas igrejas, contra o conceito dos iconoclastas. Por causa desse livro, João Damasceno foi muito perseguido e até preso pelos hereges. Até mesmo o califa foi induzido a acreditar que João Damasceno conspirava, junto com os cristãos, contra ele. Mandou prendê-lo a aplicar-lhe a lei muçulmana: sua mão direita foi decepada, para que não escrevesse mais.
Mas pela fé e devoção que dedicava à Virgem Maria tanto rezou que a Mãe recolocou a mão no lugar e ele ficou curado.
E foram inúmeras orações, hinos, poesias e homilias que dedicou, especialmente, a Nossa Senhora.
Através de sua obra teológica foi ele quem deu início à teologia mariana. Morreu no ano 749, segundo a tradição, no Mosteiro de São Sabas.
Tão importante foi sua contribuição para a Igreja que o papa Leão XIII o proclamou doutor da Igreja e os críticos e teólogos o declararam "são Tomás do Oriente".
Sua celebração, no novo calendário litúrgico da Igreja, ocorre no dia 4 de dezembro.
São João Damasceno
De família nobre de Damasco, nascido em 675, João Mansur era filho de pais cristãos de origem árabe. Eles conviviam muito bem com os muçulmanos, que tinham tomado a Síria, seu país, e a Palestina, mas ainda toleravam o cristianismo. Ele e seu pai eram amigos do Califa, chefe supremo religioso e político, e exerciam importantes cargos de administração pública. Por sua inteligência, João chegou a ser Grão-vizir, isto é, conselheiro pessoal do Califa.
Mas a vida religiosa sempre lhe tocou mais profundamente a alma. Para viver o Evangelho em sua integridade, distribuiu seus bens entre os pobres e recolheu-se no monastério da comunidade religiosa de São Sabas, na Palestina, próximo à Jerusalém. Aí dedicou-se ao silêncio, às orações, às penitências e, mais que tudo, a profundos estudos das Escrituras.
Ordenou-se sacerdote, mas só se ausentava do monastério para pregar na igreja do Santo Sepulcro. Ao retornar, escrevia suas homilias e distribuía às demais dioceses, onde eram sempre muito bem aceitas. Exortava divinamente à Sã Doutrina.
Escrevia profusamente e entre suas principais obras nos deixou "A Fonte da Ciência", "A Fé Ortodoxa", "Sacra Paralela", e "Orações sobre as Imagens Sagradas". Nessa última fez uma belíssima defesa do uso de imagens como uma legítima manifestação de devoção e fé. Foi ele que registrou a grande diferença entre veneração e adoração.
E argumentou:
"Em outros tempos, Deus não havia sido representado nunca em imagem, sendo incorpóreo e sem rosto. Mas dado que agora Deus foi visto na carne e viveu entre os homens, eu represento o que é visível em Deus.
Eu não venero a matéria, mas o Criador da matéria, que se fez matéria por mim e Se dignou habitar na matéria e realizar minha salvação através da matéria...
Não é talvez matéria o lenho da cruz três vezes bendita?... E a tinta e o livro santíssimo dos Evangelhos, não são matéria? O altar salvífico que nos dispensa o pão da vida não é matéria?... E antes que nada, não são matéria a carne e o sangue do meu Senhor?
Ou se deve suprimir o caráter sagrado de tudo isso, ou se deve conceder à Tradição da Igreja a veneração das imagens de Deus e a dos amigos de Deus que são santificados pelo nome que levam, e que por esta razão estão habitados pela graça do Espírito Santo.
Não se ofenda portanto a matéria: esta não é desprezível, porque nada do que Deus fez é desprezível." (Contra os caluniadores de imagens)
Mas, como os muçulmanos não toleravam o uso de imagens, e já estavam invadindo lugares sagrados para as destruir, alguns líderes religiosos incitaram o Califa de Damasco contra São João Damasceno, que, segundo eles, de amigo haveria se tornado um 'traidor'.
Enfurecido, sabendo que a força de São João Damasceno estava em seus escritos, o Califa ordenou que sua mão direita fosse cortada. Mas, por intervenção de Nossa Senhora, de quem era fervoroso devoto, sua mão foi miraculosamente restituída durante um sono profundo que teve. E por seus escritos foi reconhecido como Doutor da Igreja e o último Padre do Oriente, posto que depois dele não houve mais nenhum grande figura de importância teológica na Igreja de Constantinopla, até que ela se separasse de Roma, em 1054.
Foi pela obra de São João Damasceno que teve início a teologia Mariana, ou a Mariologia. Ele foi o primeiro a usar o termo 'Imaculada', para se referir à concepção miraculosa de Maria Santíssima. Sobre Maria sempre Virgem, nos deixou essas palavras:
"Ó Joaquim e Ana, casal bem-aventurado e verdadeiramente irrepreensível! Vós levastes uma vida agradável a Deus e digna d'Aquela de quem vos tornastes pais.
Tendo vivido com pureza e santidade, gerastes a joia da virgindade, ou seja, Aquela que foi virgem antes do parto, virgem no parto e virgem depois do parto. Aquela que é a Virgem por excelência, virgem para sempre, virgem perpétua no espírito, na alma e no corpo." (Homilia sobre a Natividade)
É ele também que dá início aos argumentos que nos levaria ao Dogma da Mãe de Deus:
"Ó Virgem, claramente prefigurada na sarça, nas tábuas escritas por Deus, na arca da lei, no vaso de ouro, no candelabro, na mesa e na vara de Aarão que floresceu. De Vós, com efeito, procede a chama da divindade, o Verbo e manifestação do Pai, o maná suavíssimo e celestial, o nome inefável que está acima de todo nome, a luz eterna e inacessível, o celeste pão de vida. De Vós brotou corporalmente aquele fruto que não é resultado do trabalho de nenhum cultivador." (Homilia sobre a Dormição de Maria)
É dele também as primeiras palavras mais consistentes que nos levariam ao Dogma da Assunção de Maria. Palavras essas que foram usada por Pio XII ao definir essa verdade de fé:
"Convinha que aquela que no parto manteve ilibada virgindade conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte. Convinha que aquela que trouxe no seio o Criador encarnado, habitasse entre os divinos tabernáculos. [...] Convinha que a Mãe de Deus possuísse o que era do Filho, e que fosse venerada por todas as criaturas como Mãe e Serva do mesmo Deus."
São João Damasceno defendeu também a veneração das relíquias dos Santos:
"Antes de tudo (veneramos) aqueles entre quem Deus descansou, Ele, Único Santo que mora entre os santos (cf. Is 57, 15), como a Santa Mãe de Deus e todos os Santos. Estes são aqueles que, enquanto possível, tornaram-se semelhantes a Deus com sua vontade e pela inabitação e a ajuda de Deus; são chamados realmente de deuses (cf. Sal 82, 6), não por natureza, mas por contingência, assim como o ferro incandescente é chamado de fogo, não por natureza, mas por contingência e por participação do fogo. Diz, de fato: ‘Sereis santos porque eu sou santo’ (Lv 19, 2)."
E registrou:
"Deus, que é bom e superior a toda bondade, não se contentou com a contemplação de Si mesmo, mas quis que houvesse seres beneficiados por Ele, que pudessem chegar a ser partícipes de Sua bondade: por isso, criou do nada todas as coisas, visíveis e invisíveis, inclusive o homem, realidade visível e invisível. E o criou pensando e realizando-o como um ser capaz de pensamento enriquecido pela palavra e orientado para o Espírito... É necessário deixar-se encher de estupor por todas as obras da Providência, louvá-las todas e aceitá-las todas, superando a tentação de assinalar nelas aspectos que a muitos parecem injustos ou iníquos, e admitindo, ao contrário, que o projeto de Deus vai mais além da capacidade cognoscitiva e compreensiva do homem, enquanto que, no entanto, só Ele conhece nossos pensamentos, nossas ações e inclusive nosso futuro."
Conta-se que o Califa, ao saber que sua mão havia sido restituída, lhe pediu perdão e não permitiu que ninguém mais lhe perturbasse.
Escreveu também orações, hinos e poesias, muitos deles dedicados a Virgem Santíssima.
Morreu em 749, no monastério de São Sabas, o mesmo lugar que havia escolhido para viver quando ainda jovem.
O Concílio Ecumênico de Niceia de 787, vai confirmar todos os seus escritos a respeito do uso das imagens.
Por sua inteligência singular, séculos mais tarde recebeu o título de "São Tomás do Oriente", por ter sido a fonte de tantos esclarecimentos sobre as revelações de Deus.
Sermão de São João Damasceno sobre a Assunção da Virgem Maria
“Hoje, a Arca Santa e animada do Deus vivo, tendo concebido o seu Criador, repousa no Templo do Senhor, o Senhor que não foi criado pela mão do homem. Davi, seu antepassado, a exalta; com ele, os Anjos formam coros, os Arcanjos a celebram, as Virtudes a glorificam, os Principados vibram de contentamento, as Potestades estão em plena alegria, as Dominações se deleitam e regozijam, os Tronos a festejam, os Querubins a louvam, os Serafins proclamam a sua glória.
Hoje, o Éden recebe o paraíso espiritual do novo Adão, onde nossa condenação foi revogada; a árvore da vida, plantada; e nossa nudez recoberta.
Hoje, a Virgem imaculada, intocada, preservada de qualquer paixão do mundo, porém, formada pelos desígnios celestes, sem retornar à Terra, habita – céu vivo – nas moradas celestes.
Aquela que para todos nós foi a fonte da verdadeira vida, como poderia ser submetida à morte? É certo que ela fora submetida à Lei estabelecida pelo próprio Filho: como filha do velho Adão, esteve sujeita à antiga condenação – assim como o próprio Filho, que é a Vida personificada, não a rejeitou -, mas, como Mãe do Deus Vivo, ela foi, justamente, erguida até Ele.
Eva, que aceitou as sugestões da serpente, foi condenada às dores do parto e à morte. Seu corpo foi deposto nas entranhas da terra.
Contudo, a Virgem Maria, verdadeiramente bem-aventurada, sempre profundamente imersa e em harmonia com a Palavra de Deus, concebeu pela ação do Espírito Santo e, diante da espiritual saudação do Arcanjo, sem volúpia ou união carnal, tornou-se a Mãe do Filho de Deus. Ela é aquela que O colocou no mundo, sem dor, aquela que se consagrou inteiramente a Deus. Com que poderes a morte conseguiria devorá-la? Como poderiam os infernos recebê-la? Como conseguiria a corrupção invadir este corpo que foi o templo da verdadeira Vida?
O caminho do céu estava preparado para ela; direto, aplanado e fácil. Se Jesus Cristo, que é a Verdade e a Vida dissera: ‘No lugar onde eu me encontro, aí estará, igualmente, o meu servidor’, como não estaria ao seu lado, gloriosa, Maria, a Sua Santa Mãe?”
Sermão de São João Damasceno (Oração 2, 2),
Doutor da Igreja (675 – 749 d.C.)