DOMINGO DE RAMOS MÍSTICA CIDADE DE DEUS TOMO 3 PAG 233
Entrada de Jesus em Jerusalém
1121. Chegado o dia correspondente ao domingo de Ramos, partiu Jesus para Jerusalém em companhia de seus discípulos e de muitos anjos que o louvavam, por vê-lo tão enamorado pelos homens e tão solícito por sua eterna salvação. Tendo caminhado duas léguas, mais ou menos, chegando a Betfagé, enviou dois discípulos á casa próxima de um homem abastado, para dali lhe trazerem dois jumentinhos (Mt 21, 2), um dos quais ainda não havia sido montado por ninguém. Os discípulos estenderam suas capas sobre os dois animais, e Nosso Senhor dirigiu-se para Jerusalém, servindo-se de ambos no seu triunfo, conforme as profecias de Isaias (62, 11) e Zacarias (9, 9). Muitos séculos antes as deixaram escritas, para que os sacerdotes e sábios da lei não alegassem ignorância. Os quatro Evangelistas escreveram este maravilhoso triunfo de Cristo:
(Mt21, 4 Mc 11, 1; Le 19,30; Jo 12, 13). Narraram o que foi presenciado por todos os circunstantes. Durante o caminho, eles e todo o povo, pequenos e grandes, aclamaram o Redentor como verdadeiro Rei Uns diziam: Paz no céu, glória nas alturas, bendito O que vem como Rei em nome do Senhor. Outros exclamavam: Hosana ao Filho de David; salvai-nos, Filho de David, bendito seja o reino de nosso Pai David que está para vir. Uns e outros cortavam palmas e ramos de árvores, em sinal de triunfo e alegria, e com suas vestes forravam o caminho por onde passava o vencedor das batalhas, Cristo nosso Senhor.
Cristo aclamado
1122. Todas estas nobres demonstrações de culto e adoração que os homens prestavam ao Verbo divino humanado, manifestavam o poder de sua divindade, principalmente pelo momento em que sucederam. Era a ocasião em que os sacerdotes e os fariseus o esperavam, para tirar-lhe a vida nessa mesma cidade.
Se não fossem movidos interiormente por sua virtude divina, superior a seus outros milagres, não seria possível que tantos homens, muitos deles gentios, outros inimigos declarados, ao mesmo tempo, o aclamassem por verdadeiro Rei, Salvador e Messias.
Além disto, inclinavam-se a um homem pobre, humilde e perseguido, apresentando-se sem o aparato de armas e poder humano: nem riquezas, nem carros de triunfo, nem soberbos cavalos.
Com exceção de seu semblante grave, sereno e cheio de majestade, correspondente á sua oculta dignidade, tudo lhe faltava. Chegava num humilde jumentinho, desprezível para o fausto e vaidade mundana, e em tudo o mais, nada tinha do que o mundo aplaude e exalta.
Deste modo, eram manifestos os efeitos da força divina que movia a vontade e o coração dos homens a se renderem a seu Criador e Redentor.
Repercussão do triunfo no Limbo e noutras partes do mundo
1123. Além do movimento geral produzido em Jerusalém, pela inspiração que o Senhor enviou aos corações a fim de que todos reconhecessem nosso Salvador, o triunfo se estendeu a todas, ou a muitas criaturas racionais. Assim se cumpria o que o Pai eterno havia prometido a seu Unigênito, como fica dito.
Quando Cristo, nosso Salvador, entrou em Jerusalém, o anjo São Miguel foi enviado para anunciar este mistério aos santos Pais e Profetas do Limbo, que, ao mesmo tempo, tiveram particular visão da entrada do Senhor e do mais que então aconteceu. Daquela prisão onde se encontravam, reconheceram e adoraram Cristo, nosso Mestre e Senhor, como verdadeiro Deus e Redentor do mundo. Fizeram-lhe novos cânticos de glória e louvor, pelo seu admirável triunfo sobre a morte, o pecado e o inferno.
O poder divino moveu o coração de outros muitos viventes em todo o mundo. Os que tinham fé ou notícia de Cristo, Senhor nosso, não só na Palestina e seus limites, como também no Egito e outros reinos, foram inspirados para, naquela hora, adorarem, em espírito, a seu e nosso Redentor. Assim o fizeram, com a especial consolação que lhes produziu a visita e influência da divina luz, embora não conhecessem expressamente, nem a causa nem a finalidade daquela inspiração. Não foi, porém, sem proveito para suas almas, pois seus efeitos as fizeram progredir muito na fé e na prática do bem.
Para que o triunfo, que nessa ocasião, nosso Salvador obtinha sobre a morte, fosse mais glorioso, ordenou o Altíssimo que naquele dia, ela não atingisse nenhum dos mortais. Por isto, nesse dia não morreu ninguém no mundo, ainda que, naturalmente, deviam ter morrido muitos. Impediu-o o poder divino, para que em tudo fosse admirável a vitória de Cristo.
Triunfo sobre o inferno
1124. A esta vitória sobre a morte, seguiu-se a vitória sobre o inferno, ainda mais gloriosa, embora oculta. No momento em que os homens começaram a aclamar Cristo, por Salvador e Rei que vinha em nome do Senhor, sentiram os demônios a força de sua destra. Todos quantos estavam pelo mundo, fora derrubados de seus lugares e precipitados ao fundo dos calabouços do inferno, e enquanto durou aquela recepção, não ficou nenhum demônio sobre a terra, mas todos caíram nos abismos com grande raiva e terror.
Desde essa hora, suspeitaram com maior probabilidade, que o Messias já se encontrava no mundo, e logo conferiram entre si este receio, como direi no capítulo seguinte.
Prosseguiu o Salvador do mundo sua triunfal caminhada, até entrar em Jerusalém. Os santos anjos que o acompanhavam, cantaram-lhe novos hinos de louvores divinos, com admirável harmonia. Entrando na cidade, no meio da alegria geral, apeou do jumentinho e dirigiu seus formosos passos para o templo, onde, com espanto de todos, aconteceu o que referem os Evangelistas (Mt 21,12; Lc 19,45). Derrubou as mesas dos que vendiam e compravam no templo, zelando pela honra da casa de seu Pai. Expulsou dali os que a transformavam em casa de comércio e covil de ladrões.
No momento, porém, em que cessou o triunfo, a destra do Senhor suspendeu a sua influência sobre os corações dos moradores de Jerusalém. Os justos ficaram melhores e muitos se justificaram; outros voltaram a seus vícios, maus hábitos e ações imperfeitas, porque não se aproveitaram da luz e inspirações divinas.
Em consequência, ainda que tantos haviam aclamado e reconhecido a Cristo, nosso Senhor, por Rei de Israel, não houve quem o hospedasse em sua casa (Mc 11, 11)
Maria, em visão, assiste ao triunfo de seu Filho
1125. Ficou Jesus no templo ensinando e pregando até a tarde. Para testemunhar a veneração e culto que se devia àquele lugar santo e casa de oração, não consentiu que lhe trouxessem nem um copo d'água sequer. Sem este, nem outro qualquer refrigério, voltou à tarde para Betânia (Mt 21, 17 e 18), e nos dias seguintes até sua Paixão, vinha a Jerusalém.
A divina Mãe e Senhora Maria santíssima, esteve naquele dia retirada a sós em Betânia. Dali, por especial visão, assistiu tudo o que se passou no admirável triunfo de seu Filho e Mestre. Viu o que faziam os anjos no céu, os homens na terra e o que aconteceu aos demônios no inferno; que em todas estas maravilhas, o eterno Pai cumpria as promessas que fizera a seu Unigênito, dando-lhe o império e domínio sobre todos os seus inimigos.
Viu também quanto fez nosso Salvador no templo e entendeu aquela voz do Pai que veio do céu e foi ouvida por todos os circunstantes, em resposta ao que dissera Cristo nosso Salvador (Jo 12, 28): Eu te glorifiquei, e tornarei a glorificar. Nestas palavras deu a entender que, além do triunfo e glória que o Pai dera ao Verbo naquele dia, e nos outros referidos, o glorificaria e exaltaria no futuro, depois de sua morte. Assim o entendeu e penetrou sua Mãe santíssima, com admirável gozo de seu puríssimo espírito.
DOUTRINA DA RAINHA E SENHORA MARIA SANTÍSSIMA.
A verdadeira e falsa glória
1126. Minha filha, escreveste um pouco do que entendeste, sobre os ocultos mistérios do triunfo de meu Filho santíssimo, no dia que entrou em Jerusalém.
Muito mais conhecerás no Senhor, porque na vida mortal é impossível aos viadores penetrá-los mais. Não obstante, do que manifestaste, podem tirar suficiente doutrina, para saberem quão elevados são os desígnios do Senhor e quão diferentes dos pensamentos dos homens (Is 55, 9). O Altíssimo vê o coração das criaturas (1Rs 16, 7), e seu íntimo, onde se encontra a beleza da filha do rei (SI 44, 14), enquanto os homens vêem o aparente e sensível. Por isto, aos olhos de sua sabedoria, os justos e escolhidos, quando se humilham, são estimados e elevados, ao passo que os soberbos, quando se enaltecem, são humilhados e detestados. Esta ciência, minha filha, por poucos é compreendida, pelo que os filhos das trevas não sabem apetecer e procurar outra honra e exaltação, além daquela que o mundo lhes dá.
Os filhos da santa Igreja sabem e confessam que essa glória é vã, sem consistência e que não dura mais do que a flor e o feno, mas não vivem essa verdade. Como a consciência não lhes dá testemunho das virtudes e graça que não possuem, procuram o crédito dos homens, suas honras e aplausos, ainda que tudo seja falso e cheio de mentira. Só Deus é que, sem engano, honra e exalta quem merece. O mundo, ordinariamente, faz o contrário, dando suas honras a quem menos as merece, ou a quem, mais sagaz e ambicioso, as procura e solicita.
Fugir dos louvores
1127. Foge, minha filha, deste erro, não te afeiçoes ao gosto dos homens, nem aceites suas lisonjas e afagos. Dá a cada coisa o nome e estima que merece, pois nisto andam muito às cegas os filhos deste século. Nenhum dos mortais pôde merecer a honra e aplauso das criaturas quanto meu Filho santissimo. Apesar disso, Ele não deu importancia para a que lhe tributaram na entrada de Jerusalém, pois sua finalidade era de só manifestar poder divino, e assim tornar mais ignominiosa sua Paixão.
Quis ensinar aos homens, que ninguém deve aceitar as honras visíveis do mundo por si mesmas, se não puderem ser dirigidas ao fim mais elevado da glória e exaltação do Altíssimo. Sem isto, são vãs, inúteis, sem fruto nem proveito, porque nelas não se encontra a verdadeira felicidade das criaturas feitas para a eterna.
Como estás querendo saber a razão por que Eu não estive presente ao triunfo de meu Filho santissimo, vou satisfazer o teu desejo. Deves lembrar-te do que muitas vezes escreveste nesta história: no espelho puríssimo do interior de meu amado Filho eu gozava da visão de todos os seus atos. Por esta visão, eu conhecia sua vontade, quando e para que se ausentaria de mim. Prostrada a seus pés, suplicava-lhe, então, me declarasse o que eu deveria fazer para cumprir sua vontade e prazer. Algumas vezes, Ele me dizia expressamente, e noutras deixava à minha escolha, para eu fazer uso da divina luz e prudência que me dera.
Isto fez na ocasião em que determinou entrar em Jerusalém triunfando de seus inimigos; deixou à minha escolha acompanhá-lo ou permanecer em Betânia. Pedi-lhe licença para não me achar presente naquele acontecimento e lhe supliquei me levasse depois, consigo, quando fosse sofrer e morrer. Julguei mais acertado e agradável a seus olhos, oferecer-me a padecer as ignomínias de suas dores e paixão, do que participar da honra visível que lhe davam os homens, e da qual eu receberia parte como sua Mãe.
Este aplauso, além de não me ser apetecível, eu compreendia que era ordenado para demonstração de sua divindade e poder infinito. Isto não se referia a Mim, e a honra que me tivessem dado então, não aumentaria a que lhe era devida como Salvador único do gênero humano. Para gozar a sós deste mistério e glorificar o Altíssimo em suas maravilhas tive, em meu retiro, a inteligência e visão de tudo o que escreveste.
Isto servirá para ti de ensinamento para me imitares: segue meus passos humildes, abstrai tua afeição de todas as coisas da terra, eleva-te às alturas e assim fugirás das honras humanas, e as desprezarás, conhecendo na luz divina, que são vaidades e aflição de espírito (Ecle 1, 17).
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