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quinta-feira, 19 de outubro de 2023

19 de outubro - Dia de São Pedro de Alcântara

1499-1562


Em 1499, na Espanha, quase divisa com Portugal, na vila de Extremadura de Alcântara, nasceu o filho do governador Pedro Garabido e de sua esposa, Maria Villela de Sanabria. O menino herdou o nome do pai, mas na infância ganhou dos amiguinhos o apelido de "santo", por sua modéstia e simplicidade. Depois, na Universidade de Salamanca, além de destacar-se por sua inteligência e pela aplicação nos estudos, evidenciou-se pelo estilo de vida, monástica, comparada à dos alegres colegas de turma. Pedro freqüentava, diariamente, a igreja e não ficava um dia sequer sem ajudar os pobres. 

Enquanto sonhava com a consagração religiosa, o pai desejava que o filho fosse o seu sucessor. Em vão. Aos dezesseis anos de idade, Pedro solicitou admissão na Ordem Primeira dos Frades Menores de São Francisco de Assis. E aos vinte já era o superior no Convento de Badajoz, tornando-se conhecido pelo dom do conselho. A sua fama de pregador e confessor ganhou, rápido, destaque em toda a Igreja. 



Nesse período, as suas penitências eram tão severas que chamou a atenção dos demais monges e até dos superiores. Nada tinha a não ser um hábito muito velho, um breviário, um simples crucifixo de madeira e um bastão. Andava descalço e sem chapéu. Jejuava a cada três dias e quando se alimentava ingeria apenas pão, água e legumes, tudo quantidade mínima. Dormia apenas duas horas por noite, sentado. Não bastasse tudo isso, no inverno deixava a janela aberta durante toda a noite. 

Eleito provincial da Ordem, visitou todos os conventos: mesmo nessa situação percorria as distâncias com os pés descalços e a cabeça descoberta. Em todos eles, as Regras primitivas da Ordem de são Francisco - de pobreza e caridade absolutas - foram restabelecidas. Sua reforma ultrapassou as fronteiras da Espanha e atingiu até mesmo o convento de Arariba, em Portugal, para onde viajou. Lá, atraiu tantos novos noviços que foi necessário construir um outro Convento para abrigar a todos. De tal modo que o papa Paulo IV autorizou a reforma para outros da província franciscana, alcançando mais de trinta conventos de diversos países. 


Na sua época, Pedro de Alcântara conviveu com vários santos e foi o orientador de alguns deles, como: Luiz de Granada, João de Ávila, Francisco Bórgia e Teresa d'Ávila, carmelita e grande reformadora da sua Ordem, de quem foi também confessor e diretor espiritual. 


Com fama de santidade, realizou vários prodígios em vida. Aos sessenta e três anos de idade e gravemente enfermo, predisse o dia de sua morte: 18 de outubro de 1562, e de fato foi assim. 

Como legado, deixou-nos algumas obras escritas, onde narrou, com riqueza de detalhes, a sua experiência ascética, baseada, sobretudo, na devoção para com a Paixão de Cristo. 



Canonizado pelo papa Clemente IX em 1669, são Pedro de Alcântara é comemorado em 19 de outubro, um dia após a data de sua morte.

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VIDA DE SÃO PEDRO DE ALCANTARA

“Conheci um religioso chamado Frei Pedro de Alcântara — que julgo um santo, já que sua vida e seus atos não deixam disso dúvida –, que passava muitas vezes por louco extravagante junto dos que o ouviam falar”; dizia desse santo, modelo de penitência e grande reformador a incomparável Santa Teresa de Jesus


São Pedro de Alcântarapadroeiro do Brasil
Pedro Gavarito nasceu em Alcântara, naEspanha, em 1499, ano da publicação da Bula sobre as indulgências, que seria usada por Lutero como pretexto para sua rebelião contra Roma. De família nobre, seu pai era legista e prefeito da cidade.
Diz um seu biógrafo que “o menino tinha feições agradáveis, era vigoroso, de porte esbelto e bem servido de dons naturais. Retinha de cor um texto depois da primeira leitura, o que lhe permitia citar sem enganos o verso mais curto que fosse, da Bíblia”.(1)
Pedro estudou filosofia na Universidade de Salamanca. Apesar de estar na primeira adolescência, levava já vida de asceta. Dedicava a maior parte de seu tempo livre à oração, visita aos doentes e encarcerados, socorrendo os pobres com suas esmolas. Aos 15 anos, já era uma espécie de diretor espiritual de um grupo de condiscípulos.
O ano de 1515, que assistiu a primeira revolta de Lutero contra a Igreja e o nascimento de Santa Teresa, viu também a entrada de Pedro, aos 16 anos, num convento franciscano observante. Para isso, saiu escondido da família. A noite estava escura. No caminho encontrou largo rio. Encomendou-se a Deus, e um súbito vento, envolvendo-o, transportou-o para a outra margem. Esse foi o primeiro grande milagre dos inúmeros de que foi objeto esse filho de São Francisco.

MORTIFICAÇÃO NA FONTE DA SANTIDADE
Pedro estava determinado a tornar-se santo pela mais estrita observância das regras, silêncio heróico, e total desapego desde o primeiro instante de sua vida religiosa. Seu superior ajudou-o, provando-o de todos os modos. Por exemplo ordenando-lhe, mesmo estando ele em êxtase, durante a oração, a executar as mais desagradáveis tarefas.
Mas o pior era enfrentar o demônio do sono. Era só chegar o momento da oração em comum, que uma fadiga invencível o assomava. Como Frei Pedro confessará mais tarde a Santa Teresa, empreendeu ele uma heróica e tenaz luta contra o sono. E venceu-a graças às drásticas medidas que tomou: além da mortificação e jejuns contínuos, não concedia ao repouso mais que hora e meia; e assim mesmo, de joelhos, com o queixo apoiado em uma tábua; ou sentado, encostado na parede.
demônio não se deu por vencido, e o perseguiu de outros modos. Já que não conseguia dominá-lo pelo sono, perseguia-o com ruídos e estrondos no pouco tempo dedicado ao descanso. Algumas vezes chegava a derrubar o frade no chão, quase sufocando-o. Em outras ocasiões atirava-lhe pedras, que seus condiscípulos encontravam em sua cela no dia seguinte.

PREGADOR FECUNDO E ALTA VIDA MÍSTICA


Às vezes era arrebatado em êxtase, em plena rua…
Aos 25 anos, apesar de sua relutância, Frei Pedro foi ordenado sacerdote. Com ele, muitas vezes a obediência tinha que vencer a humildade.
Diz seu biógrafo que “a missa de Frei Pedro de Alcântara valia por uma missão. Podia-se apalpar a sublime familiaridade que o unia a Cristo”.
Recebeu ordens de pregar, e “todos se admiravam da profundidade de sua doutrina, do calor de sua palavra”, de sua“eloqüência máscula e robusta, toda embebida de Sagrada Escritura unindo estranhamente as graças das Bem-aventuranças com as chicotadas de João Batista ”.
O “pior” para Frei Pedro era que Deus se comprazia em mostrar publicamente as graças que lhe concedia. Às vezes era arrebatado em êxtase, em plena rua, quando estava esmolando para o convento. Ou na igreja, em frente a todos seus confrades e fiéis. Isso, para ele, era o maior tormento.
Como São José de Cupertino, “às vezes uma só palavra o arrebatava de tal modo, que começava a lançar gritos ininteligíveis, saía fora de si, e ficava suspenso no ar”.(2)

PENITÊNCIA NA RAIZ DA GLÓRIA CELESTE

As terríveis penitências, disciplinas, jejuns e demais mortificações de Frei Pedro, transformaram-no quase que num esqueleto. Santa Teresa o descreve como feito de raízes de árvore. Ela mesma testemunhou o quanto essa penitência fora agradável a Deus, vendo-o, logo após a morte, subir ao céu em meio a um brilho fulgurante, dizendo-lhe: “Oh! bendita penitência, que me valeu tamanho peso de glória!”
Se Frei Pedro era penitente, não era por isso um santo tristonho; pelo contrário, detestava a tristeza: “alegrava-se nos bosques, nos cimos dos montes, à beira dos regatos límpidos. Os passarinhos, em seus alegres rodopios, vinham pousar-lhe sobre os ombros”. E Santa Teresa testemunha:“Com toda a santidade, ele era muito afável, embora falasse pouco quando não interrogado; mas, nas poucas palavras que pronunciava era muito agradável, porque tinha boa visão das coisas”.
A NOBREZA, SUBMISSA AO GRANDE SANTO
Frei Pedro fugia da fama, e a fama o perseguia. Seu renome chegou a Portugal, e D. João III o pediu como confessor. A obediência obrigou-o a aceitar. Transformou a Corte lusa em modelo de virtude. Ademais, foi incontável o número de fidalgos de ambos os sexos que tudo abandonaram para viver na mais extrema pobreza.
“A seu conselho, a rainha Catarina fez de seu palácio uma escola de virtude e de devoção. O Infante D. Luís, irmão do rei, mandou construir o convento de Salvaterra em seu favor, e nele se retirou para viver como o mais pobre dos religiosos, depois de ter vendido seus móveis e sua equipagem, pago suas dívidas e feito voto solene de pobreza e castidade”. E o santo teve que intervir para forçar o príncipe a moderar suas mortificações. “A infantaMaria, sua irmã, fez também voto de castidade e empregou todos seus bens no serviço de Nosso Senhor”,(3) construindo, por exemplo, o Hospital da Misericórdia e um convento de Clarissas. Além disso, foram inúmeros os nobres, tanto em Portugal quanto na Espanha, que entraram para a Ordem Terceira da Penitência, por sua influência: “A estamenha [tecido do hábito religioso] que ele usava era demais afamada para que os grandes nomes de Espanha não disputassem a honra de um pedaço sob o arminho, sob a seda ou sob a púrpura”.
O Imperador Carlos V e sua filha, a princesa Joana, quiseram-no como confessor; mas Frei Pedro soube recusar essa onerosa honra sem feri-los.


Exímio Reformador de Ordens religiosas



Exímio Reformador de Ordens religiosas
No ano de 1538, o Capítulo dos Observantes descalços – que seguiam a regra primitiva – elegeu Frei Pedro de Alcântara como Provincial. Aproveitou ele para a reforma desse ramo franciscano, acrescentando maior severidade às regras e novos exercícios, dando maior facilidade àqueles que desejavam entregar-se ao recolhimento e à contemplação. Daí o nome que receberam deFranciscanos Recoletos.
Em breve sua reforma se difundiria pela Europa, estendendo-se aos confins da Índia e do Japão.
Trabalhou também para que se fundassem naEspanha conventos de Clarissas, reformados por Santa Coleta, e foi um dos maiores apoios à reforma de Santa Teresa de Jesus.
Sustentáculo de Santa Teresa de Jesus

Santa Teresa de Jesus
Sóror Teresa de Jesus estava na maior desolação. Experimentando os mais elevados fenômenos da vida mística, não era compreendida por seus diretores, irmãs de hábito, nem pelo povo em geral, porque na Espanha do século XVI matéria religiosa era felizmente do interesse geral. Alertada por todomundo, tinha receio de estar sendo vítima de ilusões e joguete do demônio.
Entrementes, Frei Pedro de Alcântara teve que ir a Ávila. Nas primeiras palavras trocadas com acarmelita, não só confirmou a origem divina de suas aparições como a incentivou a soltar velas à ação do Divino Espírito Santo.
Quando a Santa enfrentou a mais terrível oposição ao seu projeto de reforma, ele foi seu grande aliado, aplainando os obstáculos e levando-a à vitória.
Entre os dois santos estabeleceu-se uma amizade divina, que não terminou com a morte de Frei Pedro, profetizada por ela um ano antes.
“Eu o tenho visto muitas vezes com grandíssima glória”, escreve Santa Teresa. E “parece-me que muito mais me consola agora que quando estava aqui [na Terra]”.
Uma afirmação que é um incentivo para sermos mais devotos desse grande Patrono do Brasil:
“Disse-me o Senhor uma vez, que não Lhe pediriam coisas em seu nome que Ele não atendesse. Muitas, que eu lhe tenho encomendado que peça [por mim] ao Senhor, as vi atendidas”.(4)
Bendita penitência que me valeu tão grande glória!
Fazia tempo que Frei Pedro de Alcântara vivia praticamente de milagre, consumido pelas penitências, jejuns e trabalhos. Devorado por uma febre e contrariando seus hábitos, aceitou um asno para ir até Ávila em socorro de Madre Teresa, que encontrara novas dificuldades para a fundação do seu primeiro mosteiro reformado.
Com um companheiro, pararam perto de uma estalagem. Com todos os incômodos da febre, o santo se estirou no chão, colocando o manto dobrado sobre uma pedra para lhe servir de travesseiro. Nisso surgiu a estalajadeira, injuriando-os aos gritos porque o asno entrara na sua horta, devorando algumas couves. Vendo que o frade se mostrava insensível às injúrias, a irada mulher puxou-lhe o manto colocado debaixo da cabeça. Esta bateu violentamente na pedra, causando profundo ferimento.
Mal momento escolhera a mulher, pois nesse instante chegou um fidalgo para encontrar-se com Frei Pedro, a quem tinha em conta de verdadeirosanto. Vendo-o com a cabeça sangrando, indignou-se contra a megera, ordenando incontinenti a seus homens que pusessem fogo à estalagem e passassem à espada seus moradores. Foi preciso que Frei Pedro usasse de todo seu dom de persuasão para evitar a catástrofe.
Sentindo que seu fim chegara, Frei Pedro pediu que o levassem para o convento de Arenas, onde saudou a morte com o Salmo: “Enche-me de alegria o saber que vou para a casa do Senhor”. Assistido por Nossa Senhora e São João Evangelista, entregou sua bela alma a Deus no dia 18 de outubro de 1562, aos 63 anos.
“Deus levou-nos agora o bendito Frei Pedro de Alcântara! exclamou Santa Teresa. “O mundo já não podia sofrer tanta perfeição”.(5)
Gregório XV o beatificou em 1622, e Clemente IX o elevou à honra dos altares em 1669.

“Do fruto que se extrai da oração e meditação” – São Pedro de Alcântara (1499-1562)

São Pedro de Alcântara, que viveu entre 1499-1562, foi prior de todos os conventos franciscanos da região de Ávila. Visitava Santa Teresa de Jesus quando vinha em missão administrativa. Nesta época, Santa Teresa estava na faixa dos quarenta anos de idade. Ela sentia profunda amizade e admiração por este frei sexagenário, que também lhe retribuía o afeto. Recebia-o acompanhada de sua amiga viúva, quando o avistava, já nas proximidades do Convento São José. São Pedro de Alcântara vinha a pé da cidade vizinha, e, após uma refeição frugal , se deitava à noite para descansar no piso bruto, embaixo de uma escada do convento. Santa Teresa sentia imensa ternura por tamanho despojamento, ainda que observasse em “Vida” (Livro da Vida) que o Santo, que ela chamava Frei Alcântara, talvez não devesse exigir tanto de seu corpo, já velho e cansado. Esta é uma característica peculiar à sua personalidade: não era favorável a mortificações, ainda que em nada se opusesse ao que estava prescrito na regra carmelita, e menos ainda censurava o rigor da bula de São Francisco, que São Pedro de Alcântara cumpria à risca. É possível que, para melhor honrar o fundador, ia muito além do ideal ascético-místico estabelecido para os frades franciscanos. Santa Teresa provavelmente observara o rigor de seu velho amigo monge, porque em sua ótica, tinha em mente o excesso, por exemplo, de jejuns, já que para ela, isto inclinava suas noviças e monjas à fraqueza corporal, o que poderia implicar em confusões emocionais ou mentais quanto à percepção.
O trecho abaixo se refere ao primeiro capítulo do escrito de São Pedro de Alcântara, intitulado “Tratado sobre a Oração e a Meditação”. Dividido em duas partes, a primeira é composta por doze capítulos. Traduzi do espanhol (faltam dois parágrafos deste primeiro capítulo – um curto e outro, bem longo). Mais adiante publicarei o restante. Me incumbi da tradução sem outra pretensão a não ser a de compreender melhor este escrito importante. Meu intento foi o de absorver melhor o sentido dos ensinamentos de São Pedro de Alcântara em seu “Tratado sobre a Oração e a Meditação”. É evidente que ler em nossa língua facilita bastante este objetivo. O dicionário ficou à mão, já que algumas palavras do idioma espanhol certamente ainda possuem significado paralelo, mas não adequado (no sentido da expressão) para o nosso tempo. Aceito críticas…
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Fonte: Vida dos Santos e seus Escritos
São Pedro de Alcântara

“TRATADO SOBRE A ORAÇÃO E A MEDITAÇÃO“

Primeira Parte

Capítulo I. Do fruto que se extrai da oração e meditação

Porque este breve tratado fala de oração e meditação, será melhor dizer em poucas palavras o fruto que deste santo exercício se pode extrair, porque com mais alegria de coração a ele se oferecem os homens.

Coisa notória é que um dos maiores impedimentos que o homem tem para alcançar sua última felicidade e bem-aventurança, é a má inclinação do coração, e, além disso, a dificuldade e o desânimo* que tem para fazer o bem; porque se não fosse isto, facílima coisa lhe seria correr pelo caminho das virtudes e alcançar o fim para que foi criado. Pelo qual disse o Apóstolo (Rom.7,23): alegro-me com a lei de Deus, segundo o homem interior, mas sinto outra inclinação em meus membros, que contradiz a lei de meu espírito. E me faz, assim, cativo da lei do pecado. Esta é, pois, a causa mais universal que há de todo o nosso mal. Pois para acabar com este desânimo* e dificuldade, e facilitar este propósito, uma das coisas mais proveitosas é a devoção. Porque (como disse São Tomás) não é outra coisa a devoção senão a prontidão e a rapidez para fazer o bem, a qual aparta de nossa alma toda esta dificuldade e peso**, e nos torna prontos e rápidos para todo o bem. Porque é um alimento espiritual, um refresco e bálsamo do céu, um sopro e alento do Espírito Santo, além de ser uma afeição sobrenatural; o qual , de tal maneira regra, anima e transforma o coração do homem, a tal ponto que lhe dá novo gosto e alento para as coisas espirituais, e desgosto e aborrecimento pelas sensoriais***. O qual nos mostra a experiência de cada dia, porque no momento em que uma pessoa espiritual sai de uma profunda e devota oração, ali se renovam todos os bons propósitos; surgem inclinações e determinações de fazer o bem; vem o desejo de agradar e amar a um Senhor tão bom e doce, tal como como na oração se havia se mostrado, e, mais, de padecer novos trabalhos e asperezas, e ainda derramar sangue por Ele. Finalmente, torna verde e se renova todo o frescor de nossa alma. (cont.)

*No original em espanhol: pesadumbre.
**Original: pesadum.
***No original: sensuales.

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São Pedro de Alcântara
AVISOS PARA O EXERCÍCIO DA MEDITAÇÃO


1.

Introdução

Tudo o que até aqui dissemos serviu para oferecer matéria de consideração para os que aprendem a meditar, o que é uma das principais partes deste tema. De fato, poucas pessoas possuem suficiente material para reflexão na meditação e, deste modo, por falta dele, não são poucos os que não conseguem dar-se a esta prática.

Agora, porém, resta declarar abreviadamente a maneira e a forma pelas quais pode-se meditar. E. mesmo que nesta matéria o principal Mestre seja o Espírito Santo, todavia a experiência nos mostrou que são necessários alguns avisos, porque o caminho para ir a Deus é árduo e necessita de guia, sem o que muitos andam muito tempo perdidos e desencaminhados.

2.

Primeiro Aviso

Seja, pois, este o primeiro aviso: que quando nos pomos a considerar algumas das coisas que já mencionamos como matéria de meditação em seus devidos tempos e exercícios, não devemos estar tão presos a estas matérias que consideremos como serviço mal feito deixarmos uma para tomarmos outra, quando nisto encontrarmos maior gosto ou maior proveito, porque, como a finalidade de tudo é a devoção, o que mais servir para este fim, será isto que se deve considerar como sendo o melhor. Porém isto não se deve fazer por motivos levianos, mas com vantagem conhecida. Sendo assim, se em alguma passagem de sua oração sentirmos maior gosto ou devoção do que em outro, detenhamo-nos nele por todo o espaço de tempo em que dure este afeto, mesmo que todo o tempo do recolhimento se gaste nisto. Porque, como o fim de tudo isto é a devoção, conforme já o explicamos, seria um erro buscar em outra parte, com esperança duvidosa, o que já temos como certo em nossas mãos.

3.

Segundo Aviso

Seja o segundo aviso que trabalhe o homem para desculpar neste exercício a demasiada especulação do entendimento, e procure deixar este negócio mais com afetos e sentimentos da vontade que com discursos e especulações do entendimento.

Porque sem dúvida não acertam este caminho aqueles que de tal maneira se põe na oração a meditar os Mistérios Divinos como se os estivessem estudando para pregar, o que seria mais derramar o espírito do que recolhê-lo e seria mais andar fora de si do que dentro de si. De onde nasce que, acabada a sua oração, ficam secos e sem suco de devoção, e tão fáceis e prontos para qualquer leviandade como o estavam antes. Porque a verdade é que tais pessoas de fato não oraram, mas falaram e estudaram, o que é coisa bem diversa da oração. Estes tais deveriam considerar que no exercício da oração mais nos aproximamos para escutar do que para falar. Para acertar, portanto, neste negócio, aproxime-se o homem com o coração de uma velhinha ignorante e humilde, e mais com a vontade disposta e aparelhada para sentir e afeiçoar-se às coisas de Deus do que com o entendimento esperto e atento para esquadrinhá-las, pois isto é próprio dos que estudam para saber, e não dos que oram e pensam em Deus para chorar.

4.

Terceiro Aviso

O aviso anterior nos ensina como devemos sossegar o entendimento e entregar todo este negócio à vontade; mas o presente põe também sua taxa e medida à própria vontade, para que não seja excessiva nem veemente em seu exercício, para o qual deve-se saber que a devoção que pretendemos alcanças não é coisa que se há de alcançar à força de braços, como alguns pensam, os quais, com demasiado afinco e tristezas forçadas e como que por encantamentos procuram alcançar lágrimas e compaixão quando pensam na Paixão do Salvador, porque isto costuma mais secar o coração e torná-lo mais inábil para a visitação do Senhor, conforme ensina Cassiano. E ademais estas coisas costumam causar dano à saúde corporal, e às vezes deixam a alma tão atemorizada com o sensabor que ali alcançou, que teme retomar outra vez ao exercício como a algo que experimentou ter-lhe dado muita pena. Contente-se, pois, o homem com fazer de boa vontade o que é de sua parte, que é encontrar-se presente ao que o Senhor padeceu, admirando com olhar simples e sossegado e com um coração terno e compassivo e aparel

hado para qualquer sentimento que o Senhor lhe quiser conceder pelo que Ele padeceu, mais disposto para receber o efeito que sua misericórdia lhe conceder do que para expressá-lo à força de braços. E, feito isso, não se aflija pelo restante, quando não lhe for dado.

5.

Quarto Aviso

De tudo quanto foi dito podemos concluir qual é o modo da atenção que devemos ter na oração, porque aqui principalmente convém ter o coração não caído nem frouxo, mas vivo, atento e erguido para o alto. Mas assim como é necessário estar aqui com esta atenção regrada e moderada, para que não seja danosa à saúde nem impeça a devoção, porque há alguns que fatigam a cabeça com a demasiada força que empregam para estarem atentos ao que pensam, conforme já dissemos, assim também há outros que, para fugirem deste inconveniente, estão ali muito frouxos e remissos e muito fáceis de serem levados por todos os ventos. Para fugir destes extremos convém conduzir um meio termo que nem com a demasiada atenção fatiguemos a cabeça, nem com o muito descuido e frouxidão fiquemos vagando com o pensamento por onde ele bem entenda. De modo que, assim como costumamos dizer ao homem que caminha sobre uma besta maliciosa que mantenha as rédeas firmes, isto é, nem muito apertada nem muito frouxa, para que nem volte para trás, nem caminhe com perigo, assim devemos procurar que nossa atenção siga com moderação e não forçada, com cuidado mas não com fadiga e aflição.

Mas particularmente convém avisar que no princípio da meditação não fatiguemos a atenção com demasiada atenção, porque quando isto se faz, mais adiante costumam faltar as forças, como faltam ao caminhante quando no princípio da jornada se entrega a uma demasiada pressa para caminhar.

6.

Quinto Aviso

Mas entre todos estes avisos o principal é que não desanime aquele que ora, nem desista de seu exercício quando não sente imediatamente aquela suavidade da devoção que ele deseja. É necessário que com longanimidade e perseverança esperar a vinda do Senhor, porque à glória de Sua Majestade e à baixeza de nossa condição e à grandeza do negócio que tratamos pertence que estejamos muitas vezes esperando e aguardando às portas de seu palácio sagrado.

Pois quando desta maneira tenhas aguardado um pouco de tempo, se o Senhor vier, dá-lhe graças por sua vinda e, se te parecer que não vem, humilha-te diante dEle, e conhece que não mereces o que não te deram, e contenta-te com ter feito ali o sacrifício de ti mesmo e negado a tua própria vontade e crucificado o teu apetite e lutado com o demônio e contigo mesmo, e feito pelo menos o que era de tua parte. E se não adoraste o Senhor com a adoração sensível que desejavas, basta que o tenhas adorado em espírito e em verdade, como Ele quer ser adorado (Jo. 4, 23). E creia-me, com certeza, que este é o caso mais perigoso desta navegação e o lugar onde se provam os verdadeiros devotos, e que se dele te saires bem, em tudo o demais seguirás prosperamente.

Finalmente, se mesmo assim te perecesse que fosse tempo perdido perseverar na oração e fatigar a cabeça sem proveito, neste caso não teria por inconveniente que, depois de ter feito o que está em ti, tomasses algum livro devoto e trocasses então a oração pela lição, contanto que a leitura não fosse corrida nem apressada mas pausada e com muito sentimento quanto ao que estivesses lendo, misturando muitas vezes em seus lugares a oração com a leitura, o qual é coisa muito proveitosa e muito fácil de fazer para todo gênero de pessoas, mesmo que sejam muito rudes e principalmente neste caminho.

7.

Sexto Aviso

Não é documento diverso do anterior, nem menos necessário avisar que o servo de Deus não se contente com qualquer gostozinho que encontre em sua oração (como fazem alguns que derramando uma lagrimazinha ou sentindo alguma ternura de coração, pensam que já cumpriram com o seu exercício). Isto não basta para o que aqui pretendemos. Porque assim como um pequeno filete de água não basta para que a terra frutifique, que não faz mais do que tirar a poeira e molhar a terra por fora, mas é necessária tanta água que desça até o

íntimo da terra e a deixe encharcada de água para que possa frutificar, assim também aqui é necessária a abundância deste rio e desta água celestial para que possa dar fruto de boas obras. É por isto que com muita razão se aconselha que tomemos para este santo exercício o maior espaço de tempo que pudermos. E melhor seria um tempo longo do que dois tempos curtos, porque se o espaço é breve, todo ele será gasto em sossegar a imaginação e aquietar o coração, e depois de já quieto nos levantaremos do exercício quando o teríamos de começar.

E descendo a maiores detalhes no que diz respeito a delimitar este tempo, parece-me que tudo o que for menos de uma hora e meia ou duas horas é um tempo muito curto para a oração, porque muitas vezes se passa mais do que meia hora em moderar o caminho e acalmar a imaginação e todo o restante do tempo é necessário para gozar do fruto da oração. É verdade que quando este exercício é feito depois de alguns outros santos exercícios, como depois do ofício das matinas ou depois de ter assistido ou celebrado missa ou depois de alguma leitura devota ou oração vocal, o coração se encontra mais disposto para este negócio e, assim como ocorre com a lenha seca, mais rapidamente se acende este fogo celestial. Também o tempo da madrugada costuma ser mais curto porque é o mais aparelhado que existe de todos quantos há para este ofício. Mas o que for pobre de tempo por causa de suas muitas ocupações, não deixe de oferecer seu quinhãozinho com a pobre viúva do Templo (Lc. 21, 2), porque se isto não ocorre por sua negligência, Aquele que provê a todas as suas criaturas conforme a sua necessidade e natureza, prove-lo-á também segundo a sua.

8.

Sétimo Aviso

Conforme a este documento se dá outro semelhante a ele, e é que quando a alma for visitada na oração, ou fora dela, com alguma visita particular do Senhor, que não a deixe passar em vão, mas que se aproveite daquela ocasião que se lhe oferece, porque é certo que com este vento navegarão homem mais em uma hora que sem Ele durante muitos dias. Assim se diz que o fazia São Francisco, de quem escreve São Boaventura em sua vida que era tão especial o cuidado que tinha nisto que se ao andar pelo caminho nosso Senhor o visitava com algum favor especial, fazia ir adiante todos os companheiros e permanecia quieto até acabar de ruminar e digerir aquele bocado que lhe vinha do céu. Os que assim não o fazem costumam comumente ser castigados com esta pena, a de que não encontram a Deus quando o buscarem, porque quando Ele os buscava não os encontrou.

9.

Oitavo Aviso

O último e mais principal aviso seja que procuremos neste santo exercício juntar em uma só coisa a meditação com a contemplação, fazendo da primeira a escada para subir até a segunda, para o que deve-se saber que o ofício da meditação consiste em considerar com estudo e atenção as coisas divinas discorrendo de umas para as outras para mover nosso coração a algum efeito e sentimento das mesmas, que é como quem fere uma pedra para arrancar dela alguma centelha. Mas a contemplação consiste em já ter arrancado esta centelha, quero dizer, já ter encontrado este efeito e sentimento que se buscava, e estar em repouso e silêncio em seu gozo, não com muitos discursos e especulações do entendimento, e sim com uma simples vista da verdade, por causa do que diz um santo doutor que a meditação discursa com trabalho e com fruto, mas a contemplação o faz sem trabalho e com fruto; a primeira busca, enquanto que a segunda encontra; a primeira rumina a comida, enquanto que a segunda a degusta; a primeira discorre e tece considerações, enquanto que a segunda se contenta com uma simples vista das coisas, porque já possui o amor e o gosto das mesmas; finalmente, a primeiro é como um meio, enquanto que a segundo é como um fim; a primeira é como caminho e movimento, enquanto que a segunda é como o término deste caminho e movimento.

Daqui se conclui uma coisa muito comum, que é ensinada por todos os mestres da vida espiritual, ainda que pouco entendida por parte dos que a lêem, a saber, que assim como ao se alcançar um f

im cessam os meios, assim como chegando ao porto cessa a navegação, assim também quando o homem, mediante o trabalho da meditação, chegar ao repouso e ao gosto da contemplação, deve então cessar daquela piedosa e trabalhosa investigação. E contente com uma simples vista e memória de Deus, como se o tivesse presente, tomar posse daquele afeto que se lhe é dado, seja ora de amor, ora de admiração ou de alegria ou coisa semelhante. A razão pela qual isto se aconselha está em que, como o fim de todo este negócio consiste mais no amor e nos afetos da vontade do que na especulação do entendimento, quando a vontade já está presa e tomada deste afeto, devemos dispensar todos os discursos e especulações do entendimento, na medida em que nos seja possível, para que nossa alma com todas as suas forças se empregue nisto sem derramar-se pelos atos de outra potência. E por isso aconselha um doutor que assim que o homem sentir-se inflamado do amor de Deus, deve logo deixar todos estes discursos e pensamentos, por mais altos que possam parecer, não porque sejam maus, mas porque neste caso se tornam impedimentos de outro bem maior, o que não é outra coisa mais do que cessar o movimento quando se chega ao seu término e deixar a meditação por amor da contemplação. Pode-se assinalar que isto pode ser feito no fim de todo o exercício, depois de se pedir o amor de Deus, de que antes já havíamos tratado, pelos seguintes dois motivos. Primeiro, porque pressupõe-se que neste momento o trabalho já feito no exercício terá dado à luz a algum efeito e sentimento de Deus, e, como diz o Sábio, mais vale o fim da oração do que o seu princípio (Eccles. 7,7). Segundo, porque depois do trabalho da meditação e da oração é razoável que o homem dê um pouco de folga ao entendimento e o deixe descansar nos braços da contemplação. Neste tempo, portanto, abandone o homem todas as imaginações que se lhe oferecerem, cale o entendimento, aquiete a memória e fixe-a em Nosso Senhor, considerando que está diante de sua presença e não especulando em particularidades das coisas divinas. Contente-se com o conhecimento que ele possui de Deus pela fé e aplique a sua vontade e amor, pois somente este o abraça e nele está o fruto de toda a meditação, pois o entendimento quase nada alcança do que se pode conhecer de Deus ao passo que a vontade pode amá-Lo muito. Encerre-se dentro de si mesmo no centro de sua alma onde está a imagem de Deus, e ali esteja atento a Ele, como quem escuta ao que fala a partir de alguma elevada torrem ou como quem o tivesse dentro de seu coração, e como se em toda a criação não houvesse mais nada senão somente ela ou somente ele. E mesmo de si mesma e do que faz deveria esquecer-se, porque, como dizia um daqueles Padres, a perfeita oração é aquela onde o que está orando não se recorda que está orando. E não somente no fim do exercício, como também no meio e em qualquer outra parte em que nos tomar este sonho espiritual, quando o entendimento está como que adormecido da vontade, devemos fazer esta pausa, gozar deste benefício e retornar ao nosso trabalho ao acabar de digerir e degustar aquele bocado. É assim que faz o jardineiro quando rega a sua terra a qual, depois de tê-la enchido de água, suspendo o jorro da corrente e deixa empapar e difundir-se pelas entranhas da terra seca o que esta recebeu e, uma vez feito isto, volta a soltar o jorro da fonte, para que receba mais e mais e fique melhor regada. Mas o que então a alma sente, o que goza da luz, da fartura, da caridade e da paz que recebe, não se pode explicar com palavras, pois aqui está a paz que excede todo o sentido e a felicidade que nesta vida se pode alcançar.

Há alguns tão tomados pelo amor de Deus que tão logo tenham começado a pensar nEle a memória de seu doce nome lhes derrete as entranhas. Estes têm tão pouca necessidade de discursos e considerações para amá-Lo como a mãe ou a esposa para regalar-se com a memória de seu filho ou esposo quando lhe falam dele. Há outros também que não somente no exercício da oração, como também fora dele, andam tão abosortos e tão empapados de Deus,

que de todas as coisas e de si mesmos se esquecem por causa dEle pois, se isto o pode muitas vezes o amor furioso de um perdido, quanto mais não o poderá o amor daquela infinita beleza, se não é menos poderosa a graça do que a natureza e do que a culpa? Pois quando a alma o sentir, em qualquer parte da oração em que o sinta, de nenhuma maneira o deve menosprezar, mesmo que todo o tempo do exercício se gastar nisso, sem rezar ou meditar nas outras coisas que lhe estavam determinadas, a não ser que estas lhes fossem obrigatórias, porque assim como diz Santo Agostinho que deve-se deixar a oração vocal quando esta em alguma circunstância fosse impedimento da devoção, assim também deve-se deixar a meditação quando fosse impedimento da contemplação.

De onde que também deve-se muito notar que assim como nos convém deixar a meditação pelo afeto para subir do menos ao mais, assim também, pelo contrário, às vezes convirá deixar o afeto pela meditação, quando o afeto fosse tão veemente que se temesse perigo para a saúde perseverando nela, como muitas vezes acontece aos que, sem este aviso, se entregam a estes exercícios e os tomam sem discrição, atraídos pela força da divina suavidade. E em um caso como este, diz um doutor, é bom remédio entregar-se a algum afeto de compaixão, meditando um pouco na Paixão de Cristo, ou nos pecados e nas misérias do mundo, para aliviar e desafogar o coração.


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